Neste sesquicentenário do nascimento de Freud, têm chegado a mim, via Internet, uma imensidão de mensagens relativas ao debate sobre a existência, ou não, do Inconsciente. Penso que tal debate vem sendo travado com um nível de competência bastante aquém do desejável.
Diferentemente do que ocorre com as ciências formais – de que são paradigmas a Lógica e a Matemática – as ciências factuais – a Psicologia, a Biologia, a Química, a Física etc. – têm que recorrer à verificação empírica para validar ou não seus conceitos e leis. Se, em Zoologia, afirmo que existem unicórnios, só é possível validar ou invalidar essa afirmação se eu tenho clareza sobre o que são unicórnios.
Até onde posso perceber, o debate sobre a existência – ou não – do inconsciente só sobrevive porque os que participam desse debate não sabem sobre o que estão falando. E, acrescente-se, é impossível falar sobre o “in-consciente”, se não se sabe sobre o que se está falando, quando se fala sobre “consciência”.
Num esforço – quem sabe inútil – de encerrar um debate que parece provir mais de razões emotivas do que de intelectuais, aproximemo-nos desse conceito, o de “consciência”.
A palavra italiana “coscienza” (= “co-scienza”) deixa transparente aquilo que o termo português corrrespondente obscurece, ou seja, quando falamos de consciência, estamos falando de uma “ciência (“scienza”) conjugada (“co”).
Aprofundemos isso. E, para tal, façamos uso de um fenômeno pouco explorado pela literatura psicológica, o da “alucinação negativa”. A denominação é auto-explicativa: quem o apresenta – como sintoma mórbido ou por efeito de indução hipnótica – pode, por exemplo, não ver apenas uma dentre várias pessoas presentes em um aposento. Digamos que uma “alucinação negativa” tenha sido induzida por hipnose, que o hipnotizador se posicione de forma que a pessoa, de cuja presença o reconhecimento está hipnoticamente interditado, fique entre ele e o hipnotizado e que peça a esse último que se aproxime. O hipnotizado o faz, mas, quando à beira de colidir com a pessoa que não vê¸ desvia-se dela, chegando até o hipnotizador sem que haja ocorrido colisão. Saído do transe hipnótico, perguntado sobre a razão do desvio, o hipnotizado afirma não saber por quê o fez ou oferece qualquer razão, exceto a de que foi para evitar a colisão. Seja: o hipnotizado tinha ciência, mas não consciência da presença da pessoa com quem evitou colidir. Por quê tinha ciência? Ora, porque se desviou. E por quê não tinha consciência? Ora, porque, ao ser perguntado sobre a razão do desvio, não foi capaz de enunciá-la. E o que tem a existência – ou não – do inconsciente a ver com isso?
Freud afirma existirem dois tipos de “ciência” humanamente possíveis: o registrado sob a forma de representações de coisa e o registrado sob a forma de representações de palavra. Como existem dois tipos de ciência, quando sou capaz de, relativamente a uma determinada experiência, possuir, simultaneamente, esses dois tipos de ciência, estou “co(ns)-ciente” relativamente a ela. Quando não, estou “in-co(ns)-ciente”, ou seja, sem a tal “dupla co(ns)ciência” de que todo ser humano é potencialmente capaz”.
Quem é, de um lado, capaz de desviar seu deslocamento espacial para não colidir com alguém, e, por outro, não o é para expressar verbalmente as razões por que o fez, tal pessoa tem seu comportamento orientado por apenas um dos tipos de “ciência” mencionados e, portanto, seu comportamento pode ser descrito como “uni-ciente”, mas não como “co(ns)-ciente”. Ora, se o comportamento é apenasmente “uni-ciente”, ele não é “co(ns)-ciente”, ou seja, é “in-co(ns)-ciente”, ou seja, não apresenta a “dupla ciência” de que o psiquismo humano é capaz.
Alguma dificuldade intelectual para entender isso? Tais considerações me parecem tão cristalinamente claras e rasteiras que só consigo encontrar razões emocionais – certamente provenientes de pessoas que resistem ao fato de que, em várias dimensões de suas vidas, agem de maneira “uni-ciente” e, não “co-ciente” – para explicar a sobrevivência dos debates em relação a um conceito tão descaradamente simples.
E, convenhamos, se reconhecemos que um sujeito pode operar de maneira “uni-ciente” ou de maneira “co-ciente”, é bastante irrelevante nomearmos seu primeiro comportamento de “inconsciente” e seu segundo de “consciente”, ou o primeiro de “comportamento plim-plim” e o segundo de comportamento “pló-pló”, contanto que saibamos – teoricamente – o que queremos significar com isso e – praticamente – que a passagem de um comportamento “plim-plim” para um comportamento “pló-pló” implica aumento de saúde mental.
Nenhum comentário:
Postar um comentário