No capítulo VI do “Esboço de Psicanálise”, Freud faz a seguinte afirmação:
“Limitaremos a eles [aos neuróticos graves com o Eu relativamente preservado] nosso interesse e veremos até onde e mediante que métodos seremos capazes de ‘curá-los’.” (ESB, XIII, p. 201; GW, XVII, p. 99)
Recebi da lista PSIBRASIL mensagem cujo autor afirma, a partir do fato de que Freud, no fragmento citado, colocou aspas em “curá-los”, que a “finalidade da Psicanálise não é a cura”. Em seguida minha resposta:
“Será que cabe transformar aspas em asas e deixar que elas nos levem para onde nos interessa ou será que seria o caso de nos preocuparmos em tentar INTERPRETAR CORRETAMENTE o significado de haver Freud decidido colocar as primeiras no verbo “curar” (quando não com o adjetivo “curativo” nem nas quatro vezes em que emprega, no mesmo texto – cap. VI do “Esboço” – o substantivo “cura”)?
Suponha-se termos optado por essa segunda alternativa. Nesse caso, algumas considerações são a propósito.
Primeiro – Cabe notar a tendência, vigente após a morte de Freud, de se desvincular a prática psicanalítica de seu objeto inicial, os doentes. Essa prática fica evidente na tradução do texto em questão. O tradutor da ESB, editada pela Imago, acompanha a SE (edição-padrão inglesa) (a) no cuidado de eliminar a expressão “o doente” (“die Kranke”), presente quatro vezes no texto original, traduzindo-o sempre por “o paciente” e (b) e ao alemão “efeito curativo” (“die Heilerfolge”); por “sucesso terapêutico”. De minha parte, entendo que essa tendência obedece mais a interesses de apaziguarmos a nós mesmos e ao mercado – seja, evitar a objeção, ainda freqüente, “Eu, fazer Psicanálise? Eu não estou DOENTE!" – do que aos fatos, ao à lógica.
Segundo – Doença é sinônimo de “disfunção” e, portanto, “doença psicológica”, de “disfunção psicológica”. Se, como defende Freud, o objetivo IMEDIATO da Psicanálise clínica é eliminar – ou, pelo menos, reduzir o quanto possível – as DISFUNÇÕES egóicas, com o resultado MEDIATO de fazer desaparecer sintomas, o que faz ela senão combater a doença e promover saúde?
Terceiro – Mas se, para desvincular a prática psicanalítica da doença e da cura, pretendemos recorrer, não a usos vernaculares e à lógica, mas a citações de Freud, há, por um lado, de se convir que
1) saltar, como faz FALECK, da constatação de que o criador da Psicanálise, “quase não fala de sintomas neste texto” para a conclusão de que ele, “nesse momento, Freud prioriza o processo analítico” antes que à cura, é argumento vazio, quando, no texto aludido, encontramos duas vezes a expressão “nosso PLANO DE CURA”, e passagens como “o EFEITO CURATIVO [erroneamente traduzido, como vimos, por "sucesso terapêutico"] ... da transferência positiva” e como “submeter as temidas doenças ... da vida mental à nossa influência e PROMOVER SUA CURA”, etc. etc.; e, por outro, também que
2) que seria importante, para o arejamento da matéria, recorrer a textos como, por exemplo, “Análise Terminável e Interminável” (1937), (a) onde abunda a presença – sempre sem aspas! – dos termos “doença” (dezesseis vezes), “cura” (sete vezes), “doente” (três vezes mais todas as aquelas em que a ESB traduziu indevidamente por "paciente" - que aparece quarenta e seis vezes - o alemão "der Kranke") e (b) onde podemos encontrar passos como o seguinte: “Em vez de indagar como se dá uma CURA [sem aspas!] PELA ANÁLISE ... deveríamos nos perguntar quais são os obstáculos que se colocam no caminho de tal CURA [sem aspas!]”. Nenhum obstáculo, naturalmente, poderá será maior do que os psicanalistas deixarem de valorizá-la como o objetivo primordial da clínica exercem.
Um comentário:
Sensacional
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