"Borboposa" e "marileta" foram as respostas dadas por um paciente frente à prancha V do teste de Rorschach, onde são freqüentes as respostas "borboleta" e "mariposa", dando um cristalino exemplo do fenômeno de "condensação", típico do processo primário de pensamento. Entendo que, nos debates sobre a interpretação psicanalítica, está havendo muita condensação, urgindo, para não sermos tragados pelo processo primário, que se separem borboletas de mariposas. Vou tentar fazê-lo.
Os debates sobre a validade da interpretação deveriam ser feitos discriminadamente sob duas rubricas, apresentando a primeira, pelo menos, quatro aspectos.
Um diz respeito à natureza da interpretação. Entendo – diferentemente, por exemplo, de Mtnos Calil – que, subjacente a toda interpretação psicanalítica, encontra-se um raciocínio “explicativo-causal”. Por exemplo: vejo que um paciente, ao deitar no divã, deixa, pela primeira vez, seu pé esquerdo fora dele, apoiado no chão, e penso: “Fulano deixou seu pé esquerdo fora do divã porque está com dificuldade de dizer para mim que está pensado em sair da análise”.
O segundo diz respeito à correção da interpretação. Como já defendi, a correção – em conteúdo e timing – de uma interpretação só pode ser avaliada por uma associação verbal ratificante. Por exemplo: decido comunicar ao paciente a interpretação acima e, saindo de um anterior silêncio, ele responde:: “Com efeito, cheguei até a trazer seu pagamento, mesmo antes do fim do mês, para encerrar nossa relação, mas cheguei aqui e fiquei em dúvida sobre se quero realmente fazer isso”.
O terceiro é relativo à comunicação da interpretação. Como se sabe, há interpretações passivas – que o psicanalista faz apenas para si mesmo – e interpretações ativas – que o psicanalista decide transmitir a seu paciente. Há critérios para orientar-nos nessa decisão, mas não cabe discuti-los aqui. De qualquer forma, quando a interpretação é correta em conteúdo e timing, produz associações verbais ratificantes; quando é correta em conteúdo mas não em timing¸ tende a produzir sintomas (feita a interpretação, por exemplo, o paciente nada diz e passa a sentir intensa coceira na perna esquerda).
O quarto é relativo à eficácia terapêutica da interpretação. Se nos atemos à lei psicanalítica – não foi à-toa, é claro, que empreguei o termo “lei” – de que recuperar a associação entre uma “representação de coisa” e uma “representação de palavra” desfaz disfunções egóicas, fazendo desaparecer os sintomas que dessas funções se derivam, as associações ratificantes do paciente são indicador de tal eficácia terapêutica.
A outra rubrica que vem sofrendo abordagens condensadas diz respeito às referências a Freud e merece ser claramente desmembrada em dois aspectos:
O primeiro diz respeito a se o pensamento de Freud está sendo ou não cabivelmente interpretado, o que, em certos momentos é impossível fazer se estamos usando traduções como a da Imago que tem o desplante, por exemplo, de traduzir o alemão “MetaPSYCHOLOGIE” por “MetaFÍSICA” (carta 84 a Flieβ)!
Segundo, diz respeito a necessidade de quem cita Freud deixar explícito (1) se está pessoalmente de acordo – ou não, o que, por vezes, se torna imperioso – com a opinião freudiana citada e (2) por que o faz.
Sem esses cuidados – que, até o presente momento, não me parecem ter sido suficientemente atendidos – será difícil prosseguir de maneira produtiva no debate em pauta.
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