Se a Psicanálise pretende sair da crise em que se encontra e retomar seu voo, cumpre urgentemente que extirpe seu léxico do termo “repressão” e de seus cognatos, o italiano “repressione”, o espanhol “represión” e o inglês “repression”, particularmente, desse último, dada a universalidade da língua a que pertence.
Todos esses termos, com efeito, estão carregados de referências à idéia de “impedimento da ação”, algo não só totalmente estranho ao uso técnico da palavra alemã Verdrängung – que pretendem traduzir – como frontalmente antagônicos à natureza da própria Psicanálise.
Se nos quisermos aproximar da natureza do conceito de Verdrängung – tão fundamental que Freud chegou a afirmar ser ele “a pedra fundamental sobre a qual se assenta o edifício da Psicanálise” – a melhor maneira de fazê-lo é transportar mutatis mutandis para o campo da Psicologia o conceito oftalmológico de
Escotoma [1] → “área, dentro de nosso campo ótico, em que a visão está prejudicada ou é nula, estando circundada por área mais extensa em que essa função se encontra preservada”.
Se fizermos o “transplante” desse conceito da Ótica para a Psicologia, teremos uma noção bem clara do significado de Verdrängung. Assim:
Escotoma psicológico= “área, dentro do campo da consciência, em que tal função se encontra prejudicada ou é nula, estando circundada por área mais extensa em que ela se encontra preservada”.
A Verdrängung, entendida como um escotoma presente no campo da consciência[2], é devidamente apontada pela Psicanálise como a origem dos sintomas neuróticos, coincidindo sua eliminação com o desaparecimento desses últimos.
Da Verdrängung Freud distinguiu a Retention[3] – impedimento da ação – tendo cabidamente concluído que essa última, por si mesma, não era capaz de produzir neurose[4].
Ora, não consigo imaginar melhor maneira de destruir a obra freudiana do que traduzir “Verdrängung” por “repressão” e afirmar que “repressão – um termo mais freqüentemente associado ao ‘impedimento da ação’ do que a ‘escotomas psicológicos’ – causa neurose”. Tal manobra equivale a substituir a genial descoberta de que “pontos cegos no campo da consciência” são a origem dessa patologia pela rematada estupidez de que impedir que uma pessoa faça o que bem entende é capaz de torná-la vítima de tal padecer.
Permitam os fados que a Psicanálise dê um fim à palavra “repressão”, antes que a palavra “repressão” dê um fim à Psicanálise[5].
[1] Palavra oriunda do grego “σχότωμα” e esse de “σχότος” (treva, escuridão).
[2] Ou “escotoma mental”, ou “psico-escotoma”, ou quejandos.
[3] Equivalente ao português “retenção”, ao espanhol “retención”, ao italiano “retenzzione”, ao francês “rétention” e ao inglês “retention”.
[4] Só tendo condição de fazê-lo indiretamente, quando terminasse por produzir escotomas psicológicos.
[5] Os franceses, aliás, escaparam do imbróglio, traduzindo Verdrängung, não por “répression”, mas por “refoulement”. Não por isso, contudo, que a Psicanálise francesa vá lá das pernas...
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