Antes de tudo, lembremos de que definir a Psicanálise como "uma teoria e forma de tratamento psicológicos criados por Sigmund Freud" é, em que pese sua freqüência, uma péssima forma de se o fazer. Tão ruim ou pior do que seria a de se tentar definir "avião" como "tipo de objeto voador inventado por Santos Dumond"[1]. Esse tipo de definição "histórica” revela apenas que "jogamos a toalha", desistindo de encontrar para um certo "definiendum" um adequado "definiens".
Não obstante canhestro, esse tipo de conceituação apropriadamente reconhece que a Psicanálise acontece em dois grandes registros, os de ser: (1) uma teoria psicológica e (2) uma forma de tratamento a partir daquela teoria fundamentada. Exploremos isso:
TEORIA
Há DUAS CARACTERÍSTICAS comuns a todas TEORIAS que merecem a adjetivação de “psicanalíticas”, a despeito de que, sob vários aspectos, se diferenciem e, mesmo, se contradigam [2].
Essas duas características, cuja presença simultânea se exige, são as seguintes:
Primeira – Uma especialíssima conceituação do que seja o psicológico, conceituação desde sempre empregada por Freud [3], que a herdou de Franz Brentano: a de que PSICOLÓGICO é sinônimo de INTENCIONAL. Tal posicionamento implica, em suma, que, onde há intencionalidade há psicológico e onde há psicológico há intencionalidade, devendo ser consideradas psicanalíticas todas as Psicologias que estudam as intenções em (a) seus propósitos, (b) suas intensidades e (c) suas operações, incluídos especialmente os conflitos que entre si estabelecem;
Segunda – O reconhecimento de que tais intenções podem operar mesmo quando não conectam suas representações verbais com suas representações não verbais, estabelecendo, por meio dessa conexão, uma “consciência” (= “co” + “ciência”, seja, uma “dupla ciência”, verbal e não verbal).
FORMA DE TRATAMENTO
Em perfeita consonância com sua essência teórica, a Psicanálise, enquanto PSICOTERAPIA [4], tem por objetivos:
Primeiro – re-estabelecer conexões anteriormente existentes, mas posteriormente perdidas, entre as mencionadas representações verbais e não verbais;
Segundo – estabelecer tais conexões quando, não obstante possíveis e necessárias, jamais foram estabelecidas.
BRUMA
A bruma que o establishment psicanalítico vem mantendo sobre as definições acima desserve a todos, menos à nomenklatura que, consciente ou inconscientemente, se opõe à perestroika corporativa que inevitavelmente se seguiria a tal glasnost conceptual.
[1] Isso, segundo a escola brasileira de aeronáutica; segundo a estadunidense, seriam os irmãos Wright.
[2] O que permite falarmos legitimamente de “várias psicanálises”: freudiana, kleiniana, sullivaniana, existencial, lacaniana (argh!), loganalítica etc.
[3] Embora nem mesmo ele tivesse muita clareza sobre isso. Cf. o artigo, postado nesta seção deste site, “O Conceito Freudiano de Psicológico”.
[4] A negação – de todo alheia ao pensamento freudiano – de que o tratamento psicanalítico não é nada mais do que uma, entre muitas, forma de psicoterapia serve apenas ao interesses corporativos a que menciono ao fim deste ensaio.
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