No que diz respeito ao uso que a chamada Literatura de Auto-ajuda faz do conceito de auto-estima, gostaria de defender o seguinte ponto-de-vista: O cerne da questão está em que a auto-estima proposta pelo que eu chamo de Pretending Psychology - a Psicologia do Faz-de-Conta - que domina esse nicho editorial, é uma auto-estima fake, procurada pelo que Freud, em "Sobre a Psicoterapia", chamava de via di porre, enquanto a auto-estima que, indiscutivelmente, vale ser obtida, só pode sê-lo per via di levare . Meu comentário, feito em "A Nova Conversa" (Rio: Ediouro, 2004), sobre o filme Don Juan de Marco, versa sobre a matéria:
"TO SHRINK OR NOT TO SHRINK?
Recalcar, na verdade, é a maneira cientificamente mais garantida de se produzir um neurótico. Posto isso, nada mais razoável do que esperarmos haver consenso prático e teórico, entre profissionais de saúde mental (chamados por um de meus pacientes de "os psicocoisas"), sobre que o objetivo de qualquer tratamento da neurose seria dissolver recalques, satisfazendo Desejos de Palavra insatisfeitos e ampliando consciências estreitadas. Infelizmente, não é bem assim e a ausência de tal consenso foi magistralmente captada por uma película cinematográfica estrelada por Brando. Don Juan de Marco Quem acompanhou os diálogos dessa película apenas através de sua tradução legendada perdeu um essencial e saboroso detalhe, intimamente relacionado com a questão em torno da qual se desenvolve toda a trama. O Dr. Jack Mickler – personagem representada por Marlon Brando – é, no idioma original do filme, o inglês, ora chamado de psychiatrist, ora de shrink. Na tradução para o português, todavia, tanto psychiatrist quanto shrink são igualmente traduzidos por “psiquiatra”. A perda, na tradução para o português, da especificidade semântica de shrink – to shrink, em inglês, significa “encolher” – é inestimável. Com efeito, a partir dos anos sessenta, nos Estados Unidos, a gíria headshrinker, gradualmente simplificada para shrinker e, depois, para shrink, passou a ser usada para nomear os psiquiatras e, logo, por extensão, psicanalistas e psicoterapeutas em geral. Ora, headshrinkers – encolhedores de cabeça – é expressão classicamente aplicada aos silvícolas que, ao vencer seus inimigos, cortam-lhes as cabeças e diligentemente as encolhem, pondo-as em seguida a decorar a entrada de suas tendas. Se devidamente compreendida, a metáfora proposta por essa gíria é assustadora: psiquiatras, psicólogos, psicanalistas etc. – os “psicocoisas”, segundo um meu paciente que, compreensivelmente, não conseguia distinguir uns de outros – seriam inimigos de seus pacientes e, ao derrotá-los, separando suas cabeças de seus corpos – legítima origem de seus desejos – encolhem-nas e as exibem em seus currículos como troféus do sucesso obtido contra eles.Mas voltemo-nos sobre o enredo do filme. O Dr. Jack Mickler é chamado para resgatar um jovem de seus vinte anos que, dizendo-se Don Juan e desiludido com nossos tempos, ameaça jogar-se do alto de um prédio. Mickler é bem sucedido, mas às custas de se dizer caballero, um tal Don Octavio de Flores, e de convidar nosso Don Juan suicida para sua quinta, que, evidentemente, nada mais era do que um hospital para doentes mentais. Lá chegados, tenta medicar o rapaz, mas esse propõe um trato. Não quer ser medicado antes de contar sua história. Se, ao terminar de fazê-lo, Don Octavio – Mickler, naturalmente – entender que ele ainda precisa ser medicado, dá sua palavra de que tomará os remédios. Jack aceita o acordo, isso para o profundo desagrado do restante da equipe, que passa a pressioná-lo no sentido de medicar o paciente, queira esse ou não. Ou seja, a pressionar Jack para agir como um verdadeiro shrink, abortando o delírio de seu paciente, encolhendo sua cabeça de forma a colocá-la dentro dos limites do considerado “normal”. Mas, como dizia a expressão latina, necandus necavit necaturum: “quem devia morrer matou quem devia matar”. O delírio de Don Juan é absolutamente encantador, fala de estórias em que os prazeres do amor e do sexo atingem supina expressão... E é Jack que, em vez de encolher a mente de seu paciente, começa a ter a sua “expandida”. Contaminado pelo delírio a que se dispôs a dar ouvidos, Jack começa a colorir o cinzento que, ao longo dos anos, tomara subrepticiamente posse de sua vida. Começa a recuperar o amante que tinha dentro de si. Para o agradável espanto de sua mulher, passa a levar-lhe flores, dar-lhe jóias e, à luz de velas, convidá-la para jantar... Há um momento em que o dilema “restringir ou expandir a mente” é focado de maneira extremamente jocosa. Jack Mickler, embora hesitante, decide contestar frontalmente o delírio de seu paciente: – E se eu lhe dissesse que eu não sou Dom Octavio de Flores, mas, sim, um psiquiatra, e que esta não é minha quinta, mas o hospital onde eu trabalho, o que você me diria?"– Eu lhe diria que você tem uma visão extremamente estreita (palavra que provém do latim strictu, a mesma de que deriva a palavra stress) da realidade! – devolveu Don Juan. Mas, quase que “em off”, Don Juan consola Jack. Diz-lhe saber perfeitamente que Jack é um psiquiatra e que estavam em um hospital, não numa quinta, mas que, sendo tudo isso transcendentalmente chato, quer continuar contando sua história, sem dúvida mais saborosa e digna de atenção. E Jack, aprofundando o desespero de seus pares, continua a escutá-lo, em vez de o medicar. E, enquanto o faz, segue recuperando a cor de sua vida. Necandus necavit necaturum! Tendo terminado o relato de sua história – tendo satisfeito seu Desejo de Palavra – Don Juan adquire as condições internas necessárias para descartar seu delírio e deixar vir à tona o que anteriormente eclipsara: toda sua idealização da mulher era uma tentativa de compensar a dolorosa realidade da vida de sua mãe. Analogamente ao que ocorreu com Rose, minha paciente das duas e dez, que recuperou sua razão quando eu lhe permiti, durante quarenta minutos, percorrer os meandros da fantasia de que eu a havia desrespeitado, a liberdade de discurso que Jack Mickler deu a Don Juan foi o necessário e o suficiente para que esse último, recuperando dados que havia recalcado, voltasse a fazer uso de sua razão. Após haver injetado em seu psiquiatra uma nova alegria de viver... A trama de Don Juan de Marco deixa exposto um fato pungentemente real: ainda não há consenso, entre os “psicocoisas”, sobre se devem ser shrinkers ou expanders, sobre se devem encolher ou expandir a cabeça de seus pacientes..." De meu ponto de via nietzschiano-psicanalítico de que "nada do que é pode ser subtraído, nada pode ser negado" ("Ecce Homo") e de que nosso discurso deve conter "uma afirmação sem reservas mesmo do sofrimento, mesmo da culpa, mesmo de tudo que é estranho e questionável na existência" (id.) e assentado sobre as mais recentes descobertas da Psiconeurologia, descritas em uma contribuição de Melinad Wenner para o LiveScience, e que transcrevo a seguir:
"Melinda Wenner Special to LiveScience LiveScience.com Sat Jun 30, 1:35 PM ET If you name your emotions, you can tame them, according to new research that suggests why meditation works. Brain scans show that putting negative emotions into words calms the brain's emotion center. That could explain meditation’s purported emotional benefits, because people who meditate often label their negative emotions in an effort to “let them go.” Psychologists have long believed that people who talk about their feelings have more control over them, but they don't know why it works. UCLA psychologist Matthew Lieberman and his colleagues hooked 30 people up to functional magnetic resonance imaging (fMRI) machines, which scan the brain to reveal which parts are active and inactive at any given moment. They asked the subjects to look at pictures of male or female faces making emotional expressions. Below some of the photos was a choice of words describing the emotion—such as “angry” or “fearful”—or two possible names for the people in the pictures, one male name and one female name. When presented with these choices, the subjects were asked to pick the most appropriate emotion or gender-appropriate name to fit the face they saw. When the participants chose labels for the negative emotions, activity in the right ventrolateral prefrontal cortex region—an area associated with thinking in words about emotional experiences—became more active, whereas activity in the amygdala, a brain region involved in emotional processing, was calmed. By contrast, when the subjects picked appropriate names for the faces, the brain scans revealed none of these changes—indicating that only emotional labeling makes a difference. “In the same way you hit the brake when you’re driving when you see a yellow light, when you put feelings into words, you seem to be hitting the brakes on your emotional responses,” Lieberman said of his study, which is detailed in the current issue of Psychological Science. In a second experiment, 27 of the same subjects completed questionnaires to determine how “mindful” they are. Meditation and other “mindfulness” techniques are designed to help people pay more attention to their present emotions, thoughts and sensations without reacting strongly to them. Meditators often acknowledge and name their negative emotions in order to “let them go.” When the team compared brain scans from subjects who had more mindful dispositions to those from subjects who were less mindful, they found a stark difference—the mindful subjects experienced greater activation in the right ventrolateral prefrontral cortex and a greater calming effect in the amygdala after labeling their emotions. “These findings may help explain the beneficial health effects of mindfulness meditation, and suggest, for the first time, an underlying reason why mindfulness meditation programs improve mood and health,” said David Creswell, a UCLA psychologist who led the second part of the study, which will be detailed in Psychosomatic Medicine.",
CONSIDERO A SHRINKING PSYCHOLOGY, TÍPICA DO AMBIENTE CULTURAL AMERICANO, UM GRAVÍSSIMO ATENTADO À SAÚDE PÚBLICA MUNDIAL E A PRINCÍPAL RESPONSÁVEL PELOS DEPLORÁVEIS EPISÓDIOS DE MASS MURDERING TÃO COMUNS NESSE AMBIENTE, JÁ SENDO HORA DE QUE OS EXPANDERS SE ALIEM NUMA CRUZADA PARA COMBATER A TAL DA "PSICOLOGIA DO PENSAMENTO POSITIVO".
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