Recebi um imeil cujo remetente afirmava, sem aduzir qualquer argumentação minimamente sólida e com a firmeza de um papa, que “Psicologia não é psicanálise. Psicanálise não é nem Psicologia e nem ciência”. Vejamos as opiniões de Freud sobre a matéria:
1) Sobre as relações entre a Psicologia e a Psicanálise:
(a) Pós-escrito sobre a Questão da Psicanálise Leiga (1927): "a Psicanálise não é um ramo especializado da medicina. Não vejo como alguém possa negar-se a reconhecê-lo. A Psicanálise é uma parte da Psicologia, não da Psicologia Médica no velho sentido, não da psicologia dos processos mórbidos, mas, simplesmente, da Psicologia"[1];
(b) Novas Conferências de Introdução à Psicanálise (1933 [1932]): "Psicanálise" ... [é] ... "uma ciência especializada, um ramo da Psicologia"[2];
(c) Algumas Lições Elementares de Psicanálise (1940[1938]): "A Psicanálise é uma parte da ciência mental da Psicologia"[3] ;
(d) "É também descrita como psicologia profunda"[4];
2) Sobre as relações entre – visto o fato de ser considerada “um ramo da Psicologia” – entre Psicanálise e Ciência:
(a) Um Estudo Auto-biográfico (1925 [1924]): "Nas ciências naturais, de que faz parte a Psicologia"[5];
(b) Um Estudo Autobiográfico (segundo o editor da Edição-Padrão inglesa, à qual recorremos, o trecho transcrito em seguida foi acrescentado, em 1935, ao artigo de 1925, mas não aparece em nenhuma das outras edições alemãs): "Sempre julguei grave injustiça que as pessoas se tenham recusado a tratar a psicanálise como qualquer outra ciência"[6]; .
(c) Algumas Lições Elementares de Psicanálise (1940[1938]): "A Psicologia é também uma ciência natural"[7];
(d) Esboço de Psicanálise (1940[1939]): "o outro ponto de vista, o de que o psíquico é em si mesmo inconsciente, permitiu que a Psicologia se estabelecesse como uma ciência natural, assim como as demais"[8].
Freud, ao desenvolver a Psicanálise, assumiu uma imensa quantidade de posicionamentos, alguns deles bastante questionáveis, mas soa extremamente leviano tentar pô-los abaixo, como fez meu missivista, mediante afirmações feitas ex cathedra, sem nenhuma argumentação séria que as sustente. Aliás, seja dito de passagem, discordo de muitos dos posicionamentos de Freud, mas, sobre a matéria em pauta, ainda não vi nenhuma argumentação capaz de invalidar os por ele sustentados.
[1] "die Psychoanalyse kein Spezialfach der Medizin ist. Ich sehe nicht wie man sich sträuben kann, das zu erkennen. Die Psychoanalyse ist ein Stück Psychologie, auch nicht medizinische Psychologie im alten Sinne oder Psychologie der krakhaften Vorgänge, sondern Psychologie schechtweg": S. Freud, "Nachwort zur Frage der Laienanalyse" (1927), in: A. Freud et al., eds., S. Freud Gesammelte Werke, Frankfurt am Main, Fischer, 1999 – ora em diante sempre referida como GW – vol. XIV, p. 289.
[2] "die Pschychoanalyse" ... "eine Spezialwissenschaft, ein Zweig der Psychologie". S. Freud, "Neue Folgue der Vorlesungen zur Einführung in die Psychoanalyse" (1933/1932), in GW, vol. XV, p. 170; ESB, 1976, vol. 22, p. 194.
[3] "Die Psychoanalyse ist ein Stück der Seelenkunde der Psychologie": S. Freud, "Some Elementary Lessons in Psychoanalysis", 1940/1938, in GW., vol. 17, p. 142 (o título do artigo, mesmo na edição alemã está em inglês).
[4] "Mann nennt sie auch ‘Tiefenpsychologie’ ", ibid.
[5] "In den Naturwissenschaften, zu denen die Psychologie gehört". S. Freud, “Selbstdarstellung”, in: GW, vol. 14, p. 84 (nota: A tradução deste trecho pela Imago – vol. 20, p. 73 – é grotesca: “Nas ciências naturais, das quais a psicologia é uma delas”).
[6] “I have always felt it as a gross injustice that people have refused to treat psycho-analysis like any other science”, S. Freud, “An Autobiographical Study”, in: J. Strachey, ed., The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud, Londres, Hogarth – doravante sempre referida como SE – vol. 20, p. 58
[7] "Die Psychologie ist auch eine Naturwissenschaft": S. Freud. "Some Elementary Lessons in Psychoanalysis", in GW., vol. 17, p. 143.
[8] "hat die andere Auffassung, das Psychische sei an sich unbewusst, gestattet, die Psychologie zu einer Naturwissenschaft wie jede andere auszugestalten." S. Freud. Abriss der Psychoanalyse, in GW, vol.17, p. 80.
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