quarta-feira

CRITÉRIOS PARA VALIDAR UMA INTERPRETAÇÃO

Um psicanalista ocupa uma posição de autoridade intelectual usufruída por poucos profissionais. Primeiro, é indicado como alguém que sabe (“sujeito do suposto saber”, segundo Lacan); segundo, quem o procura, via de regra, está com seu juízo perturbado e INSEGURO ATÉ SOBRE O QUE DEVE BUSCAR; com efeito, melhor está alguém que procura um mecânico, pois quando o procura como portador de um “suposto saber”, sabe, pelo menos, o que quer e se, após pagar e sair com o carro da oficina, ele pára na esquina mais próxima, sabe claramente que não foi bem servido; o paciente que procura um psicanalista leva muito mais tempo para descobrir que está sendo enganado; ou não descobre nunca; terceiro, o psicanalista DEVERIA SABER e, como uma das coisas que mais faz é interpretar, deveria, pelo menos, ter critérios para distinguir uma interpretação correta de uma incorreta.
Vejo, no ambiente psicanalítico – mais, no ambiente da psicoterapia em geral – concorrerem pelo menos quatro posições sobre a avaliação do quanto correta é ou não uma interpretação.
1) O critério da impotência. Ou melhor, a falta de critério. Um grupo significativo de operadores da área “psi” advoga a cômoda tese de que não existe critério para se avaliar se uma interpretação é ou não correta – aliás, com efeito, tendem freqüente a dar interpretações tão vagas e/ou confusas que isso, de fato, se torna impossível – ficando na posição confortável de poder dizer qualquer asneira sem ser responsabilizado por ela;
2) O critério “intuitivista”. O terapeuta afirma que “sentiu” que tinha compreendido o paciente e que o paciente também “sentiu” que havia sido entendido. Quem conhece o significado da expressão “folie à deux” ( = loucura a dois ) pode facilmente avaliar a fragilidade desse critério;
3) O critério da eficácia. Dada a interpretação, o paciente sente um alívio. Minha experiência clínica – e de outros – fornece fartos exemplos de que, quando um paciente está em pânico de que se perceba algum aspecto seu que sempre tentou esconder, uma interpretação que “erra o alvo” é recebida com alívio, podendo até produzir a remissão, pelo menos temporária, de algun(s) sintoma(s);
3) O critério da associação ratificante. Este é o único que permite alguma confiança de que interpretamos corretamente. É o seguinte: dá-se uma interpretação e o paciente, em seguida, fornece um material – PREVIAMENTE DESCONHECIDO PELO TERAPEUTA! – que ratifica a interpretação fornecida. Exemplos: (a) digo a um paciente: “Você parece estar se defrontando com a opção de ser um Guga ou um Schumacher.” E ele responde: “Caramba! Sonhei com o Schumacher essa noite!” (Note-se que, em uma terapia que já corria a mais de dois anos, nunca havíamos falado sobre Schumacher ou, sequer, sobre corridas de Fórmula I); (b) a partir da análise simbólica dadas a um teste de Rorschach, infiro que a epilepsia de uma determinada paciente foi causada por anóxia perinatal, fato que eu desconhecia e que a posteriori é confirmado; (c) a partir da leitura do “Sonho de Irmã”, relatado por Freud como seu, infiro que, à época do sonho, Marta, sua mulher, estava grávida de Ana Freud e tal conclusão se revela correta.
Só foge de reconhecer o que foi dito acima quem, por ignorância ou má-fé, se põe ao largo de ter sua prática interpretativa protegida do escrutínio daqueles que ainda consideram a Psicanálise uma prática cientificamente fundamentada.

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