sexta-feira

HIPNOSE, CONSCIENTE E INCONSCIENTE


Nos idos dos anos de 1980, um experimento hipnótico foi levado a efeito em minha clínica por Karl Weissmann, austríaco residente no Brasil, um dos que colaboraram para a introdução da Psicanálise em nosso país e do qual fui paciente durante cerca de dois anos. Tenho ainda comigo uma cópia de uma carta manuscrita que Freud lhe enviou e que está reproduzida na edição completa da biografia do criador da Psicanálise escrita por Ernst Jones. Weissman era também excelente hipnólogo, com livro publicado sobre a matéria, e foi ele quem conduziu o experimento hipnótico que logo passo a descrever.
Na sala de minha clínica onde o experimento ocorreu estávamos ele e mais 6 psicoterapeutas, eu entre eles. Weissman abriu o encontro, declarando: "Hoje, vou mostrar a vocês, de maneira empiricamente palpável, a diferença entre consciente e inconsciente". Solicitou que ficássemos em pé, numa fila horizontal em relação ao ponto em que ele se encontrava e, isso feito, chamou o sexto ocupante da fila - o último à direita; não era eu - a quem chamarei de Beltrano e hipnotizou-o, passando-lhe, durante seu transe, as duas seguintes ordens:
(1) A primeira correspondia ao que, em jargão técnico, se denomina "indução de alucinação negativa pós-hipnótica": ele, ao sair do transe hipnótico, NÃO IRIA MAIS VER fulano, aquele, dentre nossos colegas, que, contando-se da esquerda para a direita, estava na quinta posição da fila (e que, mais uma vez, não era eu);
(2) A segunda foi a de que, ao sair do transe, iria esquecer (a) DE QUE HAVIA SIDO HIPNOTIZADO e (b) DE QUE, DURANTE A HIPNOSE, RECEBERA A ORDEM DE NÃO MAIS VER FULANO.
Completadas essas duas etapas e já com Beltrano fora do transe hipnótico (dando claros indícios de que não se dava conta do que ele havia ocorrido), Weissmann postou-se exatamente atrás de Fulano (que meu psicanalista espertamente escolhera por ser o mais baixo do grupo e, certamente, mais baixo do que ele), o qual, segundo a indução pós-hipnótica, BELTRANO JÁ NÃO ESTARIA MAIS SENDO CAPAZ DE VER, pedindo a esse último que ele se deslocasse em sua direção. Ora, com Weissmann exatamente atrás de Fulano, Beltrano, obrigado pós-hipnoticamente a não o ver, partiu na direção do psicanalista, em óbvia rota de colisão com nosso companheiro. Silencioso suspense em toda a sala, enquanto Beltrano continua avançando, em plena rota de colisão com Fulano, avançando, avançando, avançando e... E, no último momento, desvia-se de Fulano, chegando a Weissmann sem maiores tropeços. Caramba, eu não ia mencionar isso: com efeito, quando ele se aproximou excessivamente de Fulano, DEU EXATAMENTE UM PEQUENO TROPEÇO, que o fez desviar-se para direita e, após, corrigindo sua rota novamente para a esquerda, chegando incólume, mais surpreso do que eu fiquei agora, ao hipnotizador e dizendo: "Caramba! Eu tropecei, né?" Ao que Weissmann retrucou simplesmente "É" e voltando para nós, em seguida, para discursar:
"Está aí, senhores! Agora já estão preparados para entender a diferença entre o CONSCIENTE e o INCONSCIENTE da Psicanálise. Fulano estava CIENTE da presença de Fulano, mas, devido à interdição da ordem pós-hipnótica, não estava CO(NS)CIENTE dela; segundo o armamental de conceitos psicanalítico, ele estava, quando tropeçou, tendo seu comportamento dirigido por seu IN-CO(NS)-CIENTE. Só tinha CIÊNCIA, não tinha CO(NS)CIÊNCIA. Não só tinha APENAS UMA, das DUAS CIÊNCIAS que pode ter a mente humana, como fica claro que a hipnose e todas as outras ações que tentam bloquear o acesso de nossas mentes a um determinado tipo de informação SÓ TEM CAPACIDADE DE INIBIR UMA DELAS, porque a PRIMEIRA CONTINUA EXISTINDO E OPERANTE, capaz de gerar atos sintomáticos, como o tropeço de Beltrano, e uma infinidade de sintomas, que DESAPARECEM QUANDO A DUPLA CIÊNCIA, A (CO)CIÊNCIA, É RESTAURADA.
Esse episódio me ensinou mais sobre CONSCIENTE e INCONSCIENTE do que toda a literatura que compulsei sobre a matéria. 

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