domingo

LIABILITY


Sabedoria e saúde mental são palavras sinônimas, embora a primeira seja frequentadora do ambiente filosófico e a segunda, pelo do das ciências psicológicas.  Defino a ambas como “capacidade de usar o conhecimento a favor da vida”.  Essa capacidade implica termos a nossa disposição todos os repertórios possíveis de comportamento, essencialmente os derivados de nossas funções fisiológicas essenciais, as associadas à sexualidade (criar, cooperar, proteger, reparar), à fome (destruir, competir, explorar, dominar), ao sono (desligar-se, fantasiar) e à respiração (representar sem distorções as realidades interna e interna). 
Minha história pessoal infantil pôs-me envolto em uma série de mentiras, o que está à raiz de dois elementos fundamentais de meu desenvolvimento psicológico:  um, positivo, de me haver dedicado com sucesso à Psicanálise, tipo de psicoterapia essencialmente voltada para dissolver mentiras e, outro, negativo, uma “mentirofobia” que, durante muitos anos, prejudicou minha sabedoria e, consequentemente, minha saúde mental, empobrecendo meu repertório comportamental no sentido de tornar-me incapaz de mentir, mesmo em situações que seria mais adequado fazê-lo.  Por exemplo, cerca de 17 anos, fui preso – felizmente, solto horas depois – por haver falado a verdade, quando o mais funcional teria sido haver mentido.  Embora, atualmente, já tenha, em grande parte, superado essa fobia, ela ainda se manifesta sob formas sutis, não obstante relativamente inócuas.  Se não, vejamos. 
Hoje de madrugada, eu estava assistindo – sem som, para não acordar minha companheira adormecida - um filme com legendas em português e, como soe ocorrer, vou automaticamente brincando de vertê-las para o original, no caso em inglês, quando, subitamente, faltou-me, naquela língua, uma palavra que eu sabia conhecer, ou seja, em jargão técnico, eu estava sendo vítima de um lapso mnêmico, de uma falha em minha memória. 
Relaxei e fiz um pouco de “associação livre”, deixando pensamentos acorrerem a minha mente de maneira aparentemente aleatória, mas certamente determinada, e, logo, a palavra que me escapara apareceu:  “liability”, que o Webster’s New World Dictionary define, entre outras coisas, como “something that works to one’s disadvantage”, “algo que opera de forma desvantajosa para alguém”.
Recuperada a palavra, não foi difícil interpretar o lapso:  “liablility” pronuncia-se exatamente como “lie ability”, “habilidade de mentir”!  Lá estava, sorrateiramente e às escuras, operando “para minha desvantagem” minha alergia a mentir. 

Tenho 72 anos:  a busca da saúde psicológica e, portanto, da sabedoria é, de fato, um processo interminável!

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