No
que diz respeito à descrição clínica da psicopatia, não creio que haja
contribuição capaz de superar o livro – genial até no título – “The Mask of
Sanity” (“A Máscara da Sanidade”) – publicado pela primeira vez em 1941, de
Hervey Cleckley. O segundo marco na
compreensão desse tipo de nosologia é a experiência levada a efeito, na última
década de 60, por Robert Hare, psicólogo especializado em pesquisas sobre
criminalidade, experiência que foi descrita em um trecho do artigo “How to spot
a psychopath?” (“Como identificar um psicopata?”), publicado por Jon Ronson, em
21 de maio de 2011, na revista “Guardian Weekend”, o qual transcrevo, traduzido
por mim, logo a seguir.
Hare
tornou-se internacionalmente famoso por ter desenvolvido um teste, usado
universalmente por Departamentos de Justiça e Juntas de Liberdade Condicional,
como valioso instrumento auxiliar no diagnóstico da psicopatia. Os vinte traços de personalidade medidos pelo
teste vão listados após as transcrições do artigo de Jon Ronson. A influência de Hervey Cleckley no
desenvolvimento dessa lista é mais do que óbvia.
[Minha
tradução do texto de Jon Ronson é livre.
Não me parece que seu estilo, de tipo jornalístico, preste muito serviço
a comunicações acadêmicas. De qualquer
forma, transcrevo o texto original logo após o meu]
"Em meados dos anos 60, [nota minha:
Robert] Hare estava trabalhando como psicólogo numa penitenciária de Vancouver.
Espalhou por ali a notícia de que estava à procura de psicopatas e não
psicopatas [nota minha: segundo o diagnóstico existente em seus prontuários]
que se voluntariassem para ser submetidos a alguns testes. Num deles, conectou
os que se apresentaram a vários aparelhos capazes de medir pressão arterial,
sudorese e ondas eletroencefálicas, e também a um gerador de eletricidade,
explicando-lhes que iria contar regressivamente a partir de 10, sendo que,
quando chegasse a 1, os voluntários receberiam um choque elétrico bastante
doloroso.
A diferença nas respostas deixou Hare
estupefato. Os não-psicopatas (que haviam, geralmente, cometido crimes
passionais, ou crimes oriundos de terrível pobreza ou abuso) enrijeceram-se,
apreensivos, como se o choque elétrico doloroso fosse a aplicação de um castigo
merecido. Estavam, notou Hare,
assustados."
“E os psicopatas?" Perguntou Jon Ronson
[o reporter autor do artigo]:
"Não verteram uma gota de suor",
respondeu Hare . "Nada!".
O teste parecia indicar que a amígdala, a
parte do cérebro que deveria ter antecipado a dor e enviado os sinais
necessários de medo para o sistema nervoso central, não estava funcionando como
deveria. Foi um enorme avanço para a Hare, o primeiro indício que obteve de que
os cérebros dos psicopatas são diferentes dos cérebros normais.
Ainda mais estupefato ficou, quando repetiu
o teste. Dessa vez, os voluntários
diagnosticados como psicopatas sabiam perfeitamente quanta dor iriam sentir e,
mais uma vez, nada! Hare concluiu algo
que outros levariam anos para reconhecer:
psicopatas tendem inexoravelmente a reincidir no crime. Diz ele:
“Os psicopatas não mantêm ativa a memória da dor do choque elétrico, que
é “desativada” logo após haver ocorrido.
Portanto, é de todo inútil ameaçá-los com ser reconduzidos à prisão,
caso descumpram os termos da condicional.
A ameaça NÃO TEM SENTIDO PARA ELES [a maiusculação é minha].
Ele fez uma outra experimento, o teste de
‘susto reflexo’, em que os psicopatas e não psicopatas foram inicialmente
convidados a olhar para imagens grotescas, como fotografias de cena de crime de
rostos desfigurados. Em seguida, quando
menos esperavam, Hare disparava um ruído incrivelmente alto em seus
ouvidos. Os não-psicopatas pulavam de
espanto; nos psicopatas o abalo era significativamente menor.
Hare sabia que, se nos dão um susto,
tendemos a pular muito mais alto se já estávamos previamente assustados. Mas,
se estamos absortos por alguma coisa, um jogo de palavras cruzadas, por
exemplo, e alguém nos assusta, o nosso pulo é significativamente menor. A conclusão de Hare foi a de que, quando psicopatas
veem imagens grotescas de rostos desfigurados, em vez de assustados, ficam
fascinados por elas.
Entusiasmado por suas descobertas, Hare
enviou-os a revista Science.
O editor devolveu o material enviado sem
publicá-lo, com a seguinte observação apensa a ele: ‘Francamente, achamos muito
estranhos alguns dos padrões de ondas cerebrais apresentados em seu artigo. Esses EEGs não podem ter provindo de pessoas reais’.”
Essa
recusa da revista Science e o fato de que, pouco depois de haver iniciado suas pesquisas,
o eletrochoque foi banido de instituições médico-psiquiátricas, impedindo Hare de
replicá-las, certamente uma das razões pelas quais seus importantíssimos resultados
são até hoje tão pouco conhecidos. Dedicou,
então, grande parte do restante de sua vida a transformar em teste a contribuição
de Cleckley para a descrição da psicopatia, produzindo a hoje famosa “Psychopathy
Checklist” (algo como: “Lista de Checagem
para o Diagnóstico de Psicopatia”), que reproduzo a seguir:
Fatores, Facetas e itens
Fator
1
Facet
1: interpessoal
Loquacidade
/ charme superficial
Senso
grandioso de autoestima
mentira
patológica
Astúcia
/ manipulação
Faceta
2: Afetiva
A
falta de remorso ou culpa
Emocionalmente
raso
Astúcia
/ falta de empatia
Incapacidade
em aceitar a responsabilidade por suas próprias ações
Faceta
3: Estilo de vida
Necessidade
de estimulação / tendência ao tédio
Estilo
de vida parasitária
Falta
de metas realistas a longo prazo
Impulsividade
Irresponsabilidade
Facet
4: Anti-Social
Controle
comportamental deficiente
Problemas
comportamentais precoces
Delinquência
juvenil
Revogação
de liberdade condicional
Versatilidade
na prática do crime
Fator
2
Outros
itens
Muitos
relacionamentos conjugais de curto prazo
Comportamento sexual promíscuo
A reprodução do
texto original de Jon Ronson vai a seguir:
["In the mid-60s, [Robert] Hare was working as a prison
psychologist in Vancouver. He put word
around the prison that he was looking for psychopathic and non-psychopathic
volunteers for tests. He strapped them
up to various EEG and sweat- and blood pressure-measuring machines, and also to
an electricity generator, and explained to them that he was going to count
backwards from 10 and when he reached one they'd receive a very painful
electric shock.
The difference in the responses stunned Hare. The non-psychopatic volunteers (theirs were
crimes of passion, usually, or crimes born from terrible poverty or abuse)
steeled themselves ruefully, as if a painful electric shock were just the
penance they deserved. They were, Hare
noticed, scared.
‘And the psychopaths?’ I [Jon
Ronson, the author of the article] asked.
‘They didn't break a sweat,’ said Hare. ‘Nothing.’ The test seemed to indicate that the
amygdala, the part of the brain that should have anticipated the unpleasantness
and sent the requisite signals of fear to the central nervous system, wasn't
functioning as it should. It was an
enormous breakthrough for Hare, his first clue that the brains of psychopaths
were different from regular brains."
He was even more astonished when he repeated the test. This time, the psycophaths knew exactly how
much pain they'd be in, and still:
nothing. Hare learned something
that others wouldn't for years:
psychopats were likely to reoffend.' They had no memory of the pain of
the electric shock, even when the pain had occurred just moments before,' Hare
said. 'So what's the point in
threatening them with imprisonment if they break the terms of their
parole? The threat has no meaning for
them.'
He did another experiment, the startle reflex test, in which the
psychopaths and non-psychopaths were invited to look at grotesque images, such
as crime-scene photographs of blown-apart faces, and when they last expected it
Hare would let off an incredibly loud noise in their ear. The non-psychopaths would leap with
astonishment. The psychopaths would
remain comparatively serene.
Hare knew that we tend to jump a lot higher when startled if we we’re on
the edge of our seats anyway. But if we’re
engrossed by something, a crossword puzzle, say, and someone startles us, our
leap is less pronounced. From this Hare
deduced that when psychopaths see grotesque images of blown-apart faces they
aren’t horrified. They are absorbed.
Thrilled by his findings, Hare sent them to Science magazine.
‘The editor returned them unpublished,’ he said. ‘He wrote, ‘Frankly we found some of the brain
wave patterns depicted in your paper very odd. Those EEG couldn’t have come from real
people.’”]
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