quarta-feira

O ALFA E O ÔMEGA DA PSICANÁLISE


Cesar Ebraico

Em janeiro de 1893, publicava-se, numa revista de neurologia, em Berlim, a seguinte sequência de palavras, perdidas em meio a um parágrafo de sintaxe bastante arrevesada:

descobrimos ... que os sintomas histéricos... desapareciam ... quando ... o enfermo ... dava... da forma mais detalhada possível ... palavras à emoção” („Wir fandem ... daβ die ... hysterischen Symptome ... verschwanden, ... wenn ... der Kranke ... möglichst ausführliche Weise ... dem Affekt Worte gab“).

Se a descoberta correspondesse aos fatos – e corresponde – e pudesse ser estendida – e pode – para além dos limites da histeria, abrangendo todos os demais quadros neuróticos, seria apenas necessário desenvolver técnicas, as mais eficazes possíveis, para servir a essa  estratégia, cujo objetivo simples, claro e chão é permitir, da forma cada vez mais rápida e duradoura, que um paciente “dê palavras, o mais detalhadamente possível, a suas emoções” para que portentosos passos fossem dado em direção à cura da neurose.  E o que, de fato, aconteceu?  Vejamos.
Uma instituição, frequentes vezes, não passa de uma inflamação, criada em torno de uma ideia, para sufocá-la.  A Igreja Católica e o Partido Comunista são acabado exemplo disso.  As Sociedades Psicanalíticas parecem ter pretendido, e com sucesso, seguir-lhes fielmente as pegadas e, dentro delas, as palavras, não há dúvida, se multiplicaram, se multiplicaram, se multiplicaram e continuam se multiplicando, se multiplicando, se multiplicando...  Desafortunadamente, ocorreu um pequeno deslize e as palavras que se multiplicaram e se multiplicaram e se multiplicaram foram as dos analistas, não as dos pacientes, e, visto não terem encontrado nada mais tão espetacular assim para ser dito, quanto as palavras acima transcritas, suas novas palavras, obscuras e medíocres (vide Lacan), foram progressivamente soterrando, soterrando, soterrando aquelas palavras simples e brilhantes, que tinham algo fundamental a dizer, mas que acabaram cinzas, quase mortas, sob a poeira de nada que sobre elas se depositou.
E eu, o que tenho de novo e brilhante a dizer?  Nada.  Então, já que não tenho, vou repetir: 
“Se os pacientes forem auxiliados pelos seus psicanalistas, por meio de não importa qual técnica, a dar, de forma bastante detalhada, palavras às suas emoções, seus sintomas neuróticos desaparecem”.
Simples, não?  Pois é...

Nota:  as palavras garimpadas por mim (destacadas em negrito e vermelho) fazem parte do trecho seguinte (o itálico é dos próprios autores):  „Wir fanden nämlich, anfangs zu unserer gröβten Überraschung, daβ die einzelnen hysterischen Symptome sogleich und ohne Wiederkehr verschwanden, wenn es gelungen war, die Erinnerung an den veranlassenden Vorgang zu voller Helligkeit zu erwecken, damit auch den begleitenden Affekt wachzurufen, und wenn dann der Kranke den Vorgang in möglichst ausführlicher Weise schilderte und dem Affekt Worte gabAffektloses Erinnern ist fast immer völlig wirkungslos“  (Breuer, J. & Freud, S.  „Über den Psychischen Mechanismus Hysterischer Phänomene“.  Berlin:  Neurologisches Zentralblatt, Janeiro, 1893, vol. 12 (1).). [“Minha tradução para o português:  “Encontramos, a saber, inicialmente para nossa grande surpresa, que cada sintoma histérico desaparecia por completo e sem retorno, quando se conseguia trazer completamente à luz a memória do evento que o provocou e evocar a emoção correspondente, e quando o enfermo descrevia tal evento da maneira mais detalhada possível, dando palavras à emoção.  Rememoração sem emoção é quase sempre de todo ineficaz"  descrito que o evento da forma mais detalhada e, possivelmente, deu palavras para o efeito. Recollection sem afeto é quase sempre ineficaz”.  Tradução para o inglês da SE: “For we found, to our great surprise at first, that each individual hysterical symptoms immediately and permanently disappeared, when we succeeded at once vanished without resurgence, when had succeeded in bringing clearly to light the memory of the event by which it was provoked and in arousing its accompanying affect, and when the patient described that event in the greatest possible detail way and had put the affect into words. Recollection without affect is almost always completely ineffective.”  (vol. II, p. 6)

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