Otto Fenichel, no mais brilhante e conciso livro jamais escrito sobre técnica psicanalítica ("Problems of Psychoanalytic Technique" - tem em português, mas como vocês sabem, nossas traduções...), afirma que, tendo sido chamado para coordenar um seminário sobre "casos difíceis", concluiu que os psicanalistas em dificuldade tinham boa compreensão hermenêutica dos casos em pauta, mas tinham má compreensão dinâmica (na verdade, usa o termo "econômica", o que é, pelo menos, uma imprecisão) dos mesmos. Ou seja: eram capazes de fazer interpretações corretas, mas não sabiam o ponto da estrutura neurótica em que a relação entre resistido e resistência era favorável para que a interpretação correta pudesse ser eficaz. Interpretavam corretamente, no lugar errado. Achei perfeito e virei a página, pensando: "Bem, agora ele vai dizer como se determina esse ponto". Não disse. Fiquei anos pensando sobre o assunto. O primeiro resultado de minhas reflexões e observações foi concluir que a maior parte dos analistas interpretava segundo viéses escolásticos: o freudiano ansiava por um Édipo, o kleiniano adorava um seio bom e um seio mau, o Rankiano era mesmerizado por materiais relativos ao trauma do nascimento, e os ferenczianos espojavam-se em uma volta ao útero, "Ersatz" do "mar primordial". E, naturalmente, cada um interpretava NO LUGAR ONDE APARECIA O MATERIAL DE SUA PREFERÊNCIA (isso quando não deliravam que tal material tinha aparecido). Após algum tempo, veio a luz: se a interpretação preferível não deve ser determinada pelo CONTEÚDO do material recolhido, deve ser determinada por sua FORMA. E desenvolvi uma técnica - a do indicador de ruptura (ainda falarei sobre ele) - para saber onde intervir. Vi-me, então, defrontado com o seguinte percalço: meus indicadores de ruptura freqüentemente indicavam que eu deveria intervir em um material sobre o qual eu não possuia nenhuma compreensão QUE ME PERMITISSE INTERPRETAR! Ora, haviam-me ensinado que função de psicanalista era interpretar! Senti-me em maus lençóis! Mas não sou de esmorecer e resolvi intervir assim mesmo, ainda que fosse apenas para assinalar que o paciente parecia estar hesitando em dizer algo. Surpresa! Minhas intervenções SEM INTERPRETAÇÃO, no lugar correto, produziam mais material do que minhas intervenções interpretativas, não obstante corretas, em um LUGAR ERRADO. Percebi, inclusive, que muito do que se convencionou chamar de "reação terapêutica negativa" era, exatamente, o resultado de INTERPRETAÇÕES CERTAS em LUGARES ERRADOS (não sei se está claro que "lugar certo" e "timing" são conceitos afins, mas não idênticos). A diminuição do número de interpretações em meu trabalho clínico já levou a confundirem minha técnica com a de Carl Rogers. Se aproxima, mas não "coincide" com ela, por duas razões: (a) Rogers não tem nenhum critério para determinar o "lugar certo" de uma intervenção ; (b) seu abandono radical do uso da interpretação impede que ele ajude o paciente quando este precisa de ajuda (o que faço mediante o que chamei de "interpretação meta-transferencial", mas isso fica para depois). Em suma: enquanto os psicanalistas freqüentemente se metem a "ajudar interpretativamente" o paciente quando este não esta precisando de ajuda, Rogers, assustado com a "carnificina psicoterápica" daqueles, deslocou-se para o pólo oposto, deixando de lhes oferecer a devida ajuda interpretativa (o mais das vezes, como disse, "meta-transferencial") quando precisavam dela... Certamente voltaremos a isso.
Também já me perguntaram se minha técnica foi influenciada pela teoria da má-fé do Sartre. Graças aos deuses, não, porque ela é de todo ingênua. Acha que um sujeito que teve o arbítrio de se jogar do décimo andar de um edifício tem igual arbítrio de, quando já estiver passando pelo sétimo, voltar para o andar de onde saiu. Há um momento em que uma prévia decisão consciente (má-fé) de não pensar em algo transforma-se em um mecanismo inconsciente que retira do arbítrio do sujeito reverter sua decisão inicial. Aliás, aqui entre nós, se Sartre se tivesse limitado a escrever peças literárias e teatrais (algumas indiscutivelmente magníficas) e evitado meter-se a filosofar, o mundo teria sido poupado de muita bobagem.
Um comentário:
Caramba, minhas perguntas vieram para na coluna!!!
Um professor uma vez me disse: O melhor aluna é o que tem dúvida e faz as melhores perguntas, não o que responde certo às perguntas feita pelo professor, carrego isso comigo até hoje.
Espero que minha perguntas não sejam inconvenientes.
Sucesso pra você, é oque desejo!!!
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