Uma recente reportagem televisiva sobre hipnose é mais um sinal de que, após cerca de cem anos de marginalidade, a hipnose começa a ser novamente reconhecida como uma importante técnica terapêutica. Bom ou mal? Vejamos:
Há vários tipos de hipnose; três deles merecendo destaque: a hipnose sugestiva, a catártica e a elaborativa.
A hipnose sugestiva é popularmente a mais difundida. Ordeno ao paciente, sob hipnose, que ele não apresentará mais, saído do estado hipnótico, um determinado sintoma, por exemplo, uma dor de cabeça, uma fobia, um estado depressivo.
A catártica tem por objetivo permitir, enquanto ocorre, que o paciente descarregue uma série de emoções represadas, desenvolvidas em circunstâncias durante as quais esta expressão não pôde ocorrer.
A elaborativa tem por objetivo remover obstáculos internos (resistências) que criam, num determinado sujeito, uma dificuldade crônica em expressar e processar uma vivência interna qualquer; a dissolução dessas resistências passa a permitir que, mesmo fora do estado hipnótico, o paciente seja capaz de expressar a emoção que, antes, regularmente represava.
A vantagem da hipnose catártica sobre a sugestiva é a de que, enquanto essa última apenas bloqueia a expressão do sintoma, não se preocupando em oferecer uma descarga para a tensão que o alimenta, a primeira se encarrega exatamente de providenciar aquela descarga, fazendo desaparecer o sintoma por desprovê-lo da energia que o alimentava.
Uma coisa, entretanto, é deixada de lado na hipnose catártica: o por quê de aquele organismo estar acumulando tensões. A hipnose elaborativa vem tentar resolver esse problema (a) postulando que essas tensões se acumulam em virtude da existência de bloqueios crônicos — as referidas “resistências” — que impedem, no dia a dia, que elas sejam espontânea e automaticamente processadas e (b) propondo-se a dissolver tais bloqueios.
Resumindo: (1) a hipnose sugestiva tem por objetivo bloquear diretamente a expressão sintomática; quando bem sucedida, traz alívio imediato do sintoma, mas tem a desvantagem de não providenciar a descarga das tensões que o alimentavam; (2) a catártica providencia essa descarga, também traz alívio sintomático imediato, mas tem a desvantagem de não tomar as medidas necessárias para que se evitem novos acúmulos de tensão; (3) a elaborativa providencia a descarga das tensões, toma as providencias necessárias para que se evitem novos acúmulos, mas pode requerer um tempo maior para gerar o alívio sintomático.
Até cerca de cem anos atrás, as técnicas sugestivas dominavam totalmente o campo dos tratamentos psicoterápicos. Durante um curto período do fim do século passado, floresceu a hipnose catártica, fornecendo ela mesma a matriz para as demais técnicas catárticas e neocatárticas em psicoterapia. Logo, porém, as técnicas sugestivas e catárticas entraram em declínio, pelo desenvolvimento da primeira das técnicas elaborativas de tratamento psicológico: a Psicanálise. Como, erradamente, Freud, o criador dessa última, entendia que a hipnose jamais poderia ser elaborativa, ela, juntamente com as técnicas sugestivas e catárticas, foi praticamente banida da prática terapêutica oficial. Qual o resultado prático disso? O de que, no atual renascimento da hipnose — possível, em parte, pela crise de credibilidade por que está passando o pensamento freudiano — facilmente se encontrem profissionais exercendo as hipnoses sugestiva e catártica — as que, aliás, com as desvantagens resenhadas, apresentam um alívio sintomático mais imediato e, portanto, mais sedutor — e, rarissimamente, um capaz de exercer a elaborativa, de efeitos mais sólidos e duradouros.
Posto isso, retomemos nosso questionamento inicial: devemos considerar positivo o aparente renascimento atual da hipnose? Sim, se evoluir na direção de estabelecer-se como uma técnica elaborativa; não, se, em uma regressão a cem anos atrás, inundar o mercado de milagreiros, usando um instrumento tão fantástico apenas para veicular sugestão e catarse.
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